segunda-feira, 16 de agosto de 2010


“...A vida era uma questão de abrigo e comida. Para conseguir abrigo e comida os homens vendem coisas. O comerciante vende sapatos, o político vende seu humanismo e o representante do povo, com exceções é claro, vende sua credibilidade; enquanto quase todos vendem sua honra. As mulheres também, nas ruas ou na sagrada relação do casamento, estão prontas a vender seus corpos. Todas as coisas são mercadorias, todas as pessoas compradas e vendidas. A primeira coisa que o trabalhador tinha para vender era a força física. A honra do operariado não tinha preço no mercado. O operariado tinha músculos e somente músculos para vender.(...)
Era o mesmo em todo lugar, crime e traição, traição e crime – homens que estavam vivos não eram honestos nem nobres; homens que eram honestos e nobres não estavam vivos. Então havia uma grande massa sem esperanças, nem nobre nem viva, mas simplesmente honesta. (...) Se fosse nobre e viva, não seria ignorante, e teria se recusado a dividir os lucros do crime e da traição.
Percebi que não gostava de viver no andar de luxo da sociedade. Intelectualmente era aborrecido. Moralmente e espiritualmente, eu estava doente.(...)
Então, voltei à classe operária, na qual havia nascido e à qual permanecia. Não me preocupava mais em subir. O imponente edifício da sociedade não guarda delícias para mim acima da minha cabeça. São os alicerces do edifício que me interessam. Lá eu estou contente de trabalhar, de ferramenta na mão, ombro a ombro com intelectuais, idealistas e operários com consciência de classe, reunindo uma força sólida agora para mais uma vez pôr o edifício inteiro a balançar. Algum dia, quando tivermos poucas mãos e alavancas a mais para trabalhar, vamos derrubá-lo, com toda sua vida em putrefação e sua morte insepulta, seu egoísmo monstruoso e seu materialismo estúpido. Então, vamos limpar os porões e construir uma nova moradia para a espécie humana, onde não haverá andar de luxo, na qual todos os quartos serão claros e arejados, e onde o ar para respirar será limpo, nobre e vivo.
Está é a minha perspectiva. Vejo à frente um tempo em que o homem deverá progredir em direção a alguma coisa mais valiosa e mais elevada que seu estômago, quando haverá maiores estímulos para levar os homens à ação que o incentivo de hoje, que é o incentivo do estômago. Conservo minha crença na nobreza e excelência da Humanidade. Acredito que a doçura e o despojamento espiritual vão superar a gula grosseira dos dias de hoje. E, no fim de tudo, minha fé está na classe trabalhadora. Como tem dito um francês: ‘A escada do tempo está sempre ecoando com um tamanco subindo e uma bota polida descendo’.” (novembro de 1905)

Autor: Jack London(1876-1916, EUA)
Trecho de “A paixão do socialismo” – de vagões e vagabundos e outras histórias. L&PM. São histórias basicamente autobiográficas de alguém que vivem pouco, porém um vida repleta de aventuras e experiências.

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