sábado, 20 de fevereiro de 2010

A seriedade das brincadeiras


Quem nunca ouviu alguma brincadeira de: Português burro? Japonês de pinto pequeno? Francês que não toma banho?
É claro que ninguém acredita ou dá importância a essas brincadeiras. Se os portugueses fossem burros não teriam colonizado e dominado boa parte do mundo com suas tecnologias marítimas. Se o Japão não controlar a atividade dos pintos pequenos não vai ter lugar pra tanto olhinho puxado naquele pequeno país. E quem já foi a Paris sabe o valor que tem um banho francês, seus toialettes e os melhores perfumes do mundo. Aqui no Brasil ninguém discrimina essas pessoas, ao contrário, são eles que nos discriminam quando chegamos por lá, pois brasileiro só vai pra lá pra roubar o emprego deles e pra ser prostituta. Não é assim? Eles são os ricos, o primeiro mundo, os imperialistas...
Quando se trata de piadas ou esteriótipos de povos de países ricos, são só brincadeiras e mitos bobos.
Agora será que o mesmo acontece com os povos de países pobres?
Quem nunca ouviu piadas sobre africano? E agora, com o terremoto, piada sobre haitiano?
Eduardo Galeano disse uma vez:
No Espírito das Leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".
Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".


Piadas e brincadeiras sobre o povo negro nunca foram só piadas e brincadeiras.
Agora virou tese pra debate se a barbárie e as desgraças que vivem os povos negros do mundo não é uma maldição por culpa deles próprios que são um povo místico e fazem "vodus"...

Desde criança ouvia, às vezes  em tom de piada e às vezes não, que:
Negro é sujo e fedido (e eu, criança, acreditei, afinal todos os negros que eu conhecia não tinham dinheiro nem pra comer, que dirá pra comprar sabonete?!?)
Ser negro é ser feio, de nariz chato e cabelo ruim (e eu acreditei porque não conhecia negro na tv, não tinha negro bem vestido, de maquiagem, de penteado bonito)
Negro é indolente, preguiçoso e pouco inteligente(quanto a isso eu tinha dúvidas, porque a empregada lá de casa, uma negra corpulenta e meio cega, bisneta de escravos, era a que trabalhava o dia inteiro até à noite, sempre obedeçando ordens até das crianças. E ela fazia contas melhor que a minha mãe, apesar de ser analfabeta)
Assim cresci, como a maioria das pessoas, achando que negro é negro, branco é branco, cada macaco no seu galho. Eles não vão muito longe, são os que trabalham com a força e os brancos com a cabeça. E que trabalhar com a cabeça é mais difícil e por isso ganha mais. 
Talvez tenha sido por causa de brincadeiras e piadas que a forma de falar das pessoas, usando algumas expressões hoje enraizadas no vocabulário dominante, tenha se perpetuado ao longo dos anos.
Porque será que é a ovelha negra e não a malhada ou a marrom, que é a ruim na família?
Porque será que imagem ruim fica denegrida e não esbranquiçada?
Porque será que um passado negro é um passado ruim?

Isso tudo sobre negros e brancos ficou encrostado na minha cabeça e no meu vocabulário. Afinal, não tinha contraponto, não tinha outra versão das coisas, pra onde eu me virava era assim. Na família, as pessoas que eu gostava, eram todas brancas. Na igreja(eu já fui à igreja um dia) Jesus e todos os santos eram brancos. Na escola, os professores e alunos eram todos brancos e as personagens e os heróis dos livros, seja de história, literatura, português e até matemática eram todos brancos. Ops! Minto! Houve excessões, tinha um santo que era negro(não lembro o nome) e também aparecia vez por outra uns negros nos livros. Era o escravo, a cozinheira, a babá, o jardineiro, etc...

Hoje não faço mais essas brincadeiras e não perpetuarei esse falso e nefasto esteriótipo. Mas, não foi fácil me livrar desses preconceitos. Precisei de ajuda. De três ajudas específicamente. A primeira ajuda foi ter faltado dinheiro em casa pra pagar escola particular e aí fui estudar em escola pública, escola técnica, feita pra formar mão-de-obra e enfim, lá tinha alguns negros. A segunda ajuda foi maravilhosa. Dentre todos os alunos da escola técnica, o mais bonito, o mais inteligente, o mais gentil, o mais engraçado, o mais tudo... era negro. E eu só percebi que ele era negro depois de ter percebido todos as outras características dele. Então pensei: o negro também pode ser lindo! Não só poderia ser lindo como poderia ser também o primeiro grande amor de alguém. E a terceira foi a determinante, pois foi a que deu fundamentação suficiente pra derrubar todos os preconceitos enraizados. Foram leituras alternativa, leituras sobre a verdadeira história dos povos, das civilizações. Foi a descoberta do marxismo, da visão materialista e dialética sobre a história da humanidade. Foi entender que a exploração e a opressão entre os seres não tem origem divina e nem natural e sim, tem origem histórica, cultural e principalmente econômica.

Agora só faço piadas e brincadeiras que sejam realmente brincadeiras. Tipo, piada de elefante...eu adoro!!! Chega de fazer piadas rebaixando e descriminando negros, mulheres, homossexuais, deficientes físicos e qualquer outro tipo de pessoas. Algumas brincadeiras não são inocentes, por mais que não percebamos à primeira vista o conteúdo preconceituoso delas.
Pra mim, hoje, todas as pessoas, têm um potencial de serem belas, inteligentes, saudáveis, interessantes, etc...se algumas não são assim, certamente tem algum motivo concreto pra que não sejam: cultura dominadora, preconceito, falta de oportunidade ou qualquer outra mazela dessa sociedade inspirada na exploração e opressão dos seres vivos.

7 comentários:

Moni Saraiva disse...

Texto digno de publicação, My!

Por isso eu não acho que seja extremismo, quando, por exemplo, exercitemos a linguagem de gênero, falando sempre nos dois: "todos e todas", homens e mulheres" e coisas do tipo. São atitudes aparentemente sem resultado, mas que aos poucos rompem e fazem questionar o porquê, nesse caso, do masculino, historicamente prevalecer.

Muto bem escrito. Meus aplausos!

Ah, a propósito, tu sabes quantos elefantes cabem num fusca???

Myrela disse...

Sei sim... 2 na frente e 3 atrás...hehehe

Sim, não é extremismo...acredito que é preciso começar a fazer, a falar, a agir diferente...mesmo que todo mundo ou 99,99% das pessoas achem que é radicalismo. Até o dia em que não faremos, falaremos, agiremos diferente e sim igual a todo mundo.

Bigada Bond's!

Aline Costa disse...

O Santo negro é São Benedito...uma vez, quando eu era bem pequena, estava em Belém do Pará e uma prima do meu pai me contou a história daquele santo que eu perguntei porque que tinha aquela cor....ela me respondeu que ele era negro porque morreu queimado...não por que era negro....
Que coisa né!!

Myrela disse...

É esse mesmo que eu lembrava...
Que horror! Não sabia dessa história.
Então acho que não sobrou nem um santo negro, pelo menos da igreja católica.

Corticeira disse...

aah!! engana-se!!! my darling!..há a santa Bakhita!! e se procurar tem mais!!
ah!! tb tem a escrava anastácia, aquela que usa uma boqueira.

beijos,

Karen.

Myrela disse...

Falou a Irmã Karen, phd em santos católicos...hehehe

karen disse...

engan-se parte 2!!...meu assunto preferido é o Diabo mesmo!!!

beijos!!